Mabio Palhano - Estado Novo e Willie Davids no primeiro tempo da aviação

A Revolução Constitucionalista começa em 9 de julho de 1932 e Getúlio Vargas percebe quão limitada se encontra a aviação de seu “governo provisório”, que os paulistas pretendem derrubar. “Os aviões do Exército, que deviam voar, não têm bombas!”, anotou no diário (12 e 13). “O Paraná insiste pedindo aviões, os daqui são escassos” (24 e 25) e uma encomenda a fabricante estrangeiro seria demorada. “Falta cobertura no exterior.” Vargas imaginava, porém, uma indústria aeronáutica brasileira, delineando uma política de integração pelo uso do avião, que chegou a Londrina em 1938.

São mencionados mais de 300 campos de pouso construídos no interior do país até aquele ano, estímulo à fundação de aeroclubes, que ajudariam a desenvolver a indústria aeronáutica, além de “formar pilotos comerciais e privados que, efetivamente, pudessem ser chamados para a guerra”, lê-se na história do Aeroclube de São Paulo.

Instaurado em 10 de novembro de 1937, o Estado Novo baniu o federalismo, queimando as bandeiras estaduais em atos públicos. Destituídos os prefeitos eleitos, o de Londrina, Willie Davids, também diretor-técnico da Companhia de Terras Norte do Paraná, se mantém no cargo, pela vontade do interventor Manoel Ribas, conciliando interesses do Estado da colonizadora.

De maio e setembro de 1938, Willie constrói o aeroporto, com a dotação de 20 contos de réis do Departamento de Aeronáutica Civil (DAC), da qual a Prefeitura destinou 15 contos ao pagamento de 24 alqueires paulistas (580.800m²), comprados de Mábio Palhano, a cinco quilômetros ao sul da cidade. Informação no Paraná-Norte de 25 de maio de 1938, creditando ao doutor Octávio Augusto de Faria Souto, chefe da 9.ª Região do DAC, “a maior parte do grande empreendimento, que será uma esplêndida realidade dentro de dois meses”. Já “a rapidez e a perfeição” se deviam à direção técnica do próprio prefeito, “profissional que honra a engenharia brasileira”.

Três pistas “com orientações diversas, de modo a ficarem na feição do vento, venha este de onde vier”. O aeroporto tem “conformação e elevação em forma de meia-laranja, (...) ao centro está o ponto mais alto, sendo o declive muito suave, sistema que facilita extraordinariamente o levantamento de voo de qualquer aparelho”. As pistas têm de diferentes comprimentos – 1000 metros, 750 metros e 650 metros por 100 de largura –, “duas que se cruzam em forma de tesoura meioaberta e a principal, que cruza o ponto de contato das primeiras”.

Transferida de 7 de setembro para 18, a inauguração é novamente adiada, a pedido do interventor Manoel Ribas, a fim de permitir a presença do colega paulista, Adhemar de Barros. Nova data: 25 de setembro. “Segundo ainda estamos informados, a inauguração será com seis aviões do Exército, quatro particulares, um do Aerolloyd Iguassu e dois da Vasp”, adiantou o Paraná-Norte. Mas, por causa das condições climáticas desfavoráveis, nenhum avião chegou, ficando incompleta a grande festa com a presença de “alguns milhares de pessoas”.

O fotógrafo José Juliani registrou em 27 de novembro de 1938 “um dos primeiros aviões a pousar”.

O Aeroclube surge um ano e três meses após, supostamente retardado pelos incidentes na administração do prefeito Willie Davids (ver a biografia), eventualmente substituído pelo chefe da Contabilidade, Adriano Marino Gomes, comandou a iniciativa. O próprio Willie, porém, consolidaria juridicamente o Aeroclube.

O Paraná-Norte de 28 de janeiro de 1940 anunciou que seria criada naquele dia, às 10 horas no campo de aviação, “a futura escola de pilotos-aviadores”, por iniciativa dos senhores Adriano Marino Gomes (prefeito-substituto), tenente Luiz José dos Santos (delegado de polícia), André Loyer e Oswaldo Marra (pilotos), engenheiro Ernesto Rosenberger e J. M. Ramos. Dito e feito. E até a mascote foi escolhida: Freya Schultheiss, a primeira menina de Londrina, que havia chegado com dois anos de idade, em 1931.

Mas, segundo uma crônica de Humberto Puiggari Coutinho, diretor do jornal, os pioneiros não conseguiram “de pronto 140 contos de réis para a compra de um aeroplano”, a Diretoria desanimou e somente reagiria um ano depois. “O Aeroclube de Londrina não morreu de fato, teve apenas um desmaio”, diagnosticou Coutinho. “A diretoria vai entrar em ação e o clube será uma realidade.”

Devia-se o entusiasmo ao recémcriado Ministério da Aeronáutica, em 20 de janeiro de 1941, sendo ministro o civil Joaquim Salgado Filho, “pronto a cumprir e a fazer cumprir os regulamentos respectivos, dentro dos quais se encontrará o que é legal e necessário para a aquisição de um avião”. E Salgado Filho anunciaria a Campanha Nacional da Aviação, apoiada pelos Diários e Emissoras Associados, de Assis Chateaubriand, estimulando os grandes empresários a doar aviões a aeroclubes.

“Concluídos os trabalhos para que este Clube adquirisse a necessária personalidade jurídica, torna-se preciso que se proceda, com a maior brevidade possível, a eleição da diretoria em caráter definitivo”, conclama o edital de 18 de agosto de 1941, assinado pelo presidente provisório, o ex-prefeito Willie Davids, marcando a eleição para 1.º de setembro às 20 horas, na Casa Sete.

O médico Anísio Figueiredo foi o presidente eleito pela assembléia e tomou posse em 21 de setembro de 1941, para mandato até 1943. O primeiro avião doado ao Aeroclube ao chegar caiu na Fazenda Quati e ficou imprestável, embora o piloto tenha saído ileso. A Escola de Pilotagem Elementar foi autorizada em 13 de maio de 1942, supostamente já com outro avião.

Um prefeito competente e orgulhoso da cidade

Widson Schwartz

Willie Brabazon da Fonseca Davids foi “o construtor e o admirável organizador de Londrina” nos primórdios, cidade que era “a sua preocupação constante, a sua paixão e o seu orgulho”, atestou o graduado serventuário da Justiça Antônio de Paula Filho em artigo no Paraná-Norte (24.8.41). Engenheiro formado na Inglaterra, antes de assumir a administração do Patrimônio Londrina, em maio de 1932, Willie acionara bondes elétricos e instalara redes de iluminação pública, trabalhando para a Companhia City de Santos, em que seu pai fora engenheiro-chefe.

Além da Vila Inglesa, em Capivari (SP), e outros créditos da profissão, Willie acumulava a experiência de haver sido, no período 1915-1925, prefeito de Jacarezinho e deputado estadual, membro da Comissão de Obras Públicas e Colonização no legislativo. Entre 1920 e 1927 integrou as expedições às glebas que os ingleses iam comprar no Norte Novo e orientou a incorporação da Estrada de Ferro Noroeste do Paraná, depois Companhia Ferroviária São Paulo-Paraná.

Primeiro prefeito constitucional de Londrina, eleito em 12 de setembro de 1935, ele se torna indispensável até quando se instala o Estado Novo, que o mantém no cargo, nomeando-o. Mas é afastado em novembro de 1938. Motivo: uma denúncia “naturalizando-o” inglês. Willie nascera em Campinas (29.11.1883), filho do galês Richard Gore Brabazon Davids e de Angelina da Fonseca, paulista de Itu. O pai, sim, era o inglês que se encontrava “há mais tempo no Brasil”, desde 1876; o engenheiro eletricista que havia feito a iluminação de estações ferroviárias e cidades paulistas. Credita-se a ele, numa biografia, a construção do primeiro telefone no Brasil, em Campinas, onde foi o anfitrião de D. Pedro II em visita à Companhia Paulista de Estradas de Ferro.

Um prefeito competente e orgulhoso da cidade

Na Mansion House, 1939: sir Frank Bowater, prefeito de Londres, recebe Willie Davids, prefeito de Londrina que o visitou em nome da cidade norte-paranaense (Times of Brazil)

Reconduzido à Prefeitura em 6 de dezembro, Willie licencia-se pelo menos duas vezes em 1939, para cuidar da saúde e ir a Londres, encontrar-se com o prefeito, sir Frank Bowater. Em 30 de maio de 1940, deixa o cargo definitivamente, em meio a um rumoroso inquérito sobre furto de dinheiro na Prefeitura por um funcionário. Willie fora exonerado, apesar da inexistência de indícios contra si.

Grande festa em 21 de março de 1942 marca a despedida do casal Carlota-Willie, que vai morar em São Paulo. “A saúde do Dr. Willie exige a mudança de domicílio.”

Morreu em 10 de junho de 1944, aos 61 anos incompletos, na Fazenda União, em Jacarezinho.